HISTÓRIA DA IEAB

História da Igreja Anglicana

Quando as pessoas perguntam pela origem da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), logo querem saber quem foi o seu fundador. A resposta geralmente encontrada nos livros de história de que foi Henrique VIII não corresponde à verdade, pelo simples fato de que o controvertido rei não podia fundar algo que já existia. A resposta correta é Jesus Cristo. Todas as igrejas históricas tiveram a sua origem nele e se espalharam pelo mundo afora, adquirindo no curso da história características e feições próprias.
Algumas se afastaram tanto de seu verdadeiro fundador, que perderam as suas raízes históricas, sendo por isso consideradas muitas vezes como seitas. Outras conservaram a sua origem e tradição apostólicas. É o caso da Igreja Anglicana, que atravessou os séculos sem perder as suas características, que remontam aos tempos dos apóstolos.
A origem da IEAB foi fruto da expansão do Cristianismo nos primeiros séculos, que alcançou primeiramente as Ilhas Britânicas, passando depois pelos Estados Unidos no século XVII e chegando finalmente ao Brasil em 1890.
Supõe-se que o Cristianismo chegou à Inglaterra por volta do século III. Nessa época, o território inglês estava dominado por um processo de colonização romana. Os legionários, mercadores, soldados e administradores romanos levaram à colônia as suas leis, os seus costumes e a sua religião. Entre eles estavam provavelmente aqueles que tinham abraçado a fé cristã e oravam secretamente ao Deus verdadeiro, enquanto os seus companheiros prestavam honras ao império, ao imperador e aos deuses das religiões de mistério.
Claro que estamos aqui no terreno das hipóteses e conjecturas. A história não deixou documentos que pudessem provar a veracidade dos fatos. Por isso, nos lugares marcados pelo silêncio da história, encontramos lendas, sagas e tradições, que falam das longas viagens missionárias, que teriam sido realizadas àquela ilha pelos apóstolos Paulo e Filipe e por José de Arimatéia.
A primeira referência histórica encontrada sobre a existência de cristãos na Grã-Bretanha foi feita por Tertuliano em 208 a.D. Tertuliano fala de regiões da ilha que haviam se convertido ao Cristianismo. Pouco se sabe sobre esses cristãos durante o segundo século. O certo é que no ano 314 da era cristã, três bispos ingleses participaram do Concílio de Arles, no sul da França. Os nomes deles eram Eborium, de York, Restitutus, de Londres, e Adelfius, sem diocese determinada, mas provavelmente de Lincoln. Cada um deles estava acompanhado por um presbítero e um diácono. A presença desses antistes e seus companheiros mostra que já havia uma igreja organizada na grande ilha. Embora não tenhamos informações de que os bispos ingleses tivessem participado do Concílio de Nicéia em 325, Atanbásio escreve que a igreja inglesa observava as decisões daquela histórica reunião ecumênica.
No começo do século V, os romanos abandonaram a Grã-Bretanha, permitindo a invasão dos anglo-saxões, que destruíram praticamente todas as igrejas existentes, reduzindo consideravelmente a prática da fé cristã durante quase150 anos. O Cristianismo inglês viveu um período de duras perseguições. Os cristãos foram obrigados a se refugiar nas regiões montanhosas do País de Gales. Ali, desenvolveram a Igreja céltica, tendo como principais líderes São Patrício e São Columba e como centro missionário a abadia da Ilha de Iona, na Escócia. Era um Cristianismo diferente do Cristianismo romano. Em 597, o Papa Gregório I, o Grande, preocupado com a conversão dos anglo-saxões, enviou uma comitiva de 40 monges, chefiada por Agostinho, para converter os invasores. Com a chegada de Agostinho à Cantuária, o Cristianismo céltico ficou como que meio marginalizado. A presença romana não foi bem aceira no início, provocando uma tensa situação. Mas a igreja inglesa aprendeu desde o começo a conviver com as diferenças. A obra missionária iniciada por Agostinho foi consolidada por uma segunda missão romana, liderada por Teodoro de Tarso que, mais hábil que o seu antecessor, conseguiu reunir as igrejas céltica e romana numa só igreja, até a separação provocada por Henrique VIII no século XVI.
No final do século X, os dinamarqueses invadiram a Grã-Bretanha e destruíram quase tudo, deixando a impressão de que Deus havia se ausentado do mundo. Em 1066, houve uma invasão normanda, mas com a diferença de que o rei já era cristão e, por isso, a Igreja foi protegida. Doze séculos depois, a parte inglesa da Igreja julgou necessário resistir à antiga intromissão papal, rompendo definitivamente a sua milenar relação com a Igreja de Roma.
Sinais da Reforma
Os primeiros sinais da reforma inglesa, que vão eclodir na separação provocada por Henrique VIII, em 1534, começaram, na verdade, vem antes com Santo Anselmo (1034-1109). Anselmo só havia aceitado o convite para ser Arcebispo de Cantuária sob duas condições: que as propriedades da Igreja fossem devolvidas pelo rei e que o arcebispo fosse reconhecido como conselheiro do rei em matéria religiosa. A luta que começou entre a coroa inglesa e a Igreja de Roma confirmou, mais tarde, que a Inglaterra fez sua reforma religiosa debruçada sobre si mesma. O fato é que Henrique VIII não fundou uma nova igreja, mas simplesmente separou a Igreja que á existia na Inglaterra da tutela e controle romanos por razões políticas, econômicas, religiosas e pessoais. Durante quase mil anos a Igreja da Inglaterra esteve sob o domínio direto de Roma. Henrique VIII rompeu com essa antiga filiação eclesiástica com o apoio do Parlamento e da própria Igreja.
Separada e independente, a Igreja da Inglaterra continuou sua milenar caminhada na história, alternando períodos de influência ora romanista, ora protestante ou evangélica. Em 1559, começou o reinado de Isabel I, e com ela restauraram-se os controvertidos Atos de Uniformidade e de Supremacia, que devolveram à rainha o mesmo poder sobre a Igreja que tinha Henrique VIII. A era elizabetana foi um período de apogeu. Foi nessa época que começou a colonização da América, onde a Igreja Anglicana se desenvolveu e se organizou principalmente depois da independência americana e 1776, com o nome de Igreja Protestante Episcopal dos EUA. A Igreja americana teve seu primeiro bispo em 1784 e manteve a Igreja livre do poder civil. Assegurada a sucessão apostólica, a Igreja americana se desenvolveu rapidamente, criando dioceses, paróquias e inúmeras instituições. Em 1824, foi fundado o Seminário Teológico de Virgínia, de onde mais tarde saíram os missionários que estabeleceram a Igreja Episcopal Anglicana no Brasil.
Entretanto, a igreja voltada especialmente para os brasileiros começou intencionalmente em 1890. Foi nesse ano que dois missionários americanos, Lucien Lee Kinsolving e James Watson Morris, organizaram a missão e Porto Alegre. O primeiro culto foi realizado na tarde do dia 1º de junho de 1890, Domingo da Trindade, em Porto Alegre, na r. Voluntários da Pátria nº 387, numa ampla casa alugada, que ficou conhecida como Casa da Missão. Na época, a cidade tinha aproximadamente 60 mil habitantes. No ano seguinte, chegaram os missionários William Cabell Brown, John Gaw Meen e a professora Mary Packard. Esses cinco missionários podem ser considerados como os verdadeiros fundadores da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) em solo brasileiro.
Em seguida, estabeleceram missões em Santa Rita do Rio dos Sinos (hoje Nova Santa Rita), Rio Grande e Pelotas. Essas três cidades e a capital do Estado logo se transformaram em importantes pontos estratégicos e centros irradiadores da expansão e do desenvolvimento da nascente igreja.

Desde o início, os missionários contaram com a imprescindível participação de muitos brasileiros. Entre esses intrépidos pioneiros e destemidos arautos do evangelho estão Vicente Brande, o primeiro a acolher os missionários em Porto Alegre; Américo Vespúcio Cabral, grande pregador e por isso conhecido como o “João Crisóstomo brasileiro”; Antônio Machado Fraga, que ajudou a fundar a então Capela de Redentor em Pelotas, hoje Catedral Diocesana, e depois ele mesmo fundou o trabalho em São Leopoldo e Montenegro; Boaventura de Souza Oliveira, que se juntou aos missionários ainda em São Paulo para vir ao sul com a família; Júlio de Almeida Coelho, que trabalhou a maior parte de seu ministério em Jaguarão e São Gabriel; Antônio José Lopes Guimarães, fundador da igreja em Bagé; Carl Henry Clement Sergel, um ex-bancário inglês que ajudou William Cabell Brown a estabelecer a igreja no Rio de Janeiro e que construiu as igrejas de Santa Maria e Santana do Livramento. Esses pioneiros clérigos nacionais ajudaram também a implantar a igreja em Viamão (1895), Jaguarão (1898), Santa Maria (1900), Bagé (1903), São Leopoldo (1904), São Gabriel (1906), Rio de Janeiro (1908) e em muitas outras cidades e zonas ruais no Rio Grande do Sul, onde se concentra a maior parte. Muitos outros vieram depois e implantaram igrejas e capelas em vários lugares do território nacional, principalmente no nordeste, onde hoje a igreja cresce tanto quanto crescia no início de sua história.
Em 1899, a IEAB teve o seu primeiro bispo na pessoa do missionário Lucien Lee Kinsolving. Agora, o tríplice ministério da Igreja (bispos, presbíteros e diáconos) estava completo. Em 1907, a novel missão brasileira se transformou em distrito missionário, vinculado a Convenção Geral da Igreja Episcopal dos Estados Unidos. Em 1925, a Igreja Episcopal teve o seu segundo bispo na pessoa de William Mathew Merrick Thomas, um missionário que havia chegado ao Brasil em 1904. Primeiro como bispo sufragâneo e depois como bispo diocesano, Thomas consolidou o trabalho desbravado por Kinsolving. Mas o primeiro bispo brasileiro só veio em 1940, com a sagração de Athalício Theodoro Pithan como bispo sufragâneo, quando a Igreja Episcopal completou 50 anos de atividades no Brasil.
A igreja crescia e as distâncias entre as comunidades locais aumentavam, dificultando o atendimento das paróquias e missões espalhadas por todo o país. Era preciso reorganizar o distrito missionário. Um memorial do clero do Rio de Janeiro deu início ao processo que resultou na divisão do distrito em três dioceses. Isso foi em 1950. A nova divisão era formada por três regiões eclesiásticas: Diocese Meridional, com sede em Porto Alegre (RS); Diocese Sul-Ocidental, com sede em Santa Maria (RS); e Diocese Central (hoje denominada como Diocese Anglicana do Rio de Janeiro), com sede na ex-capital federal. Mais tarde 04 novas dioceses foram criadas: Diocese Sul-Central (atual Diocese Anglicana de São Paulo) em 1979, Diocese Setentrional (atual Diocese Anglicana de Recife) em 1976, Diocese Missionária de Brasília (atual Diocese Anglicana de Brasília) em 1985, Diocese Anglicana de Pelotas em 1988, Diocese Missionária de Curitiba em 2003, Diocese Missionária da Amazônia em 2006, com sede em Belém do Pará, e o Distrito Missionário do Oeste. Em 1965, veio a autonomia administrativa, quando a Igreja brasileira se transformou na 19ª Província da Comunhão Anglicana e elegeu o seu primeiro bispo primaz na pessoa do bispo Egmont Machado Krischke. O processo de emancipação da IEAB, até então dependente da igreja americana, se completou com a independência financeira adquirida em 1982.
Hoje, a IEAB tem templos, missões e instituições educacionais e assistenciais em mais de 150 diferentes localidades do país, concentrando-se a maior parte no Rio Grande do Sul. Ao longo de sua já centenária história, a Igreja do Brasil acumulou uma relação de 103 mil membros batizados e 45 mil confirmados (para conhecer mais esta igreja, veja o livro 
Notas para uma História da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, do rev. Oswaldo Kickhöfel, Livraria Anglicana, Porto Alegre, 1995).
A forma de ser das igrejas episcopais ou anglicanas é para muitas pessoas motivo de confusão, principalmente quando ouvem dizer que essas igrejas são tanto católicas quanto evangélicas, tanto conservadoras quanto liberais, tanto hierárquicas quanto democráticas, tanto ricas quanto pobres. O curioso é que essas afirmações são verdadeiras, porque as igrejas episcopais ou anglicanas são igrejas abertas, liberais e democráticas, onde todos esses elementos se conjugam e se completam.
O Livro de Oração Comum, o mais importante livro depois da Bíblia, estabelece o seu culto não segundo uma opinião individual, mas segundo o pensamento da Igreja como um todo, representando a experiência litúrgica da Igreja através dos séculos. Sua doutrina estabelece aqueles elementos que acredita que são os verdadeiros valores morais e cristãos.
Na sua longa história, a pastoral das igrejas episcopais ou anglicanas e a liberdade individual não determinam automaticamente que os seus membros têm de fazer isso ou aquilo, mas que, para o seu próprio bem, devem seguir os ensinamentos da Igreja e decidir por si mesmo sobre o caminho a tomar. É uma igreja que não despreza o uso da razão e da investigação científica. Sua posição liberal e democrática a coloca em posição privilegiada para dialogar ecumenicamente com os demais ramos do Cristianismo.

O LIVRO DE ORÇÃO COMUM
A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) é uma igreja litúrgica. A Adoração pública e a adoração privada de seus membros se expressam por meio de um livro, o Livro de Oração Comum, que é uma espécie de Bíblia da adoração coletiva e individual. Mais da metade do conteúdo de sua liturgia foi retirada da Bíblia. As partes mais importantes do Novo Testamento estão nas porções das epístolas e dos evangelhos, que são lidos aos domingos e nos dias de festas litúrgicas. As passagens bíblicas que estão no lecionário do Livro de Oração Comum possibilitam uma leitura sistemática do Antigo Testamento e duas leituras do Novo Testamento durante o ano. As orações da Igreja sempre foram oferecidas a Deus por meio de um livro desde os tempos primitivos. Ao elaborar e adotar os seus próprios formulários litúrgicos, a IEAB não fez outra coisa senão seguir a antiga prática.
O tradicional Livro de Oração Comum foi entregue pela primeira vez para uso coletivo e particular em 1549. O livro inglês não era um livro novo, mas o produto reformado de antigas liturgias usadas e desenvolvidas ao longo de um milênio. Desde o começo do século XI, na Igreja da Inglaterra, o Uso de Sarum, nome latino da cidade e diocese de Salisbury, forneceu grande parte da estrutura litúrgica do atual livro.
Vários critérios nortearam a revisão do Livro de Oração Comum brasileiro depois de 1965, quando a Igreja Episcopal passou a decidir sobre os seus próprios formulários litúrgicos. Citamos apenas os cinco mais importantes:
1. Uso na língua e linguagem do povo;
2. Participação efetiva da congregação;
3. Simplicidade do rito;
4. Equilíbrio entre Palavra e Sacramento;
5. Fidelidade bíblica e patrística.
A expressão oração comum significa que as orações são usadas coletivamente, em conjunto, quando os membros da comunidade se reúnem para adoração. Mas podem ser usadas também individualmente, porque nenhuma dessas duas formas de adoração individual e comunitária é completa sem a outra. Em Cristo somos todos tanto indivíduos, quanto membros uns dos outros.